Em meio a tantas polêmicas geradas pela popularmente chamada "Lei da palmada", postamos um artigo que achamos interessante e que nos faz refletir sobre o uso da agressão como forma de solucionar conflitos com as crianças. Boa leitura!
Por que bater não
educa e ainda torna o seu filho agressivo, agora e no futuro
Estudo
canadense reforça o quanto a agressão só traz como resultados a tristeza, a
depressão, a violência e a infelicidade na vida de uma criança
Bater, gritar, chacoalhar a criança na hora de um ataque de birra. Com
certeza, você já presenciou uma cena dessa em algum momento. O que você achou?
Agressivo, né? Pois bem. Infelizmente, essas “técnicas” para mudar o
comportamento de um filho continuam firmes e fortes no dia a dia de algumas
famílias. E comentários do tipo “não concordo em espancar, só dou um tapinha na
mão” são fáceis quando o assunto palmada é foco de alguma nova reportagem. Faz
parte desta lista o “apanhei e não sou revoltado”, e por aí vai. OK. Você
apanhou e hoje está batendo...
É exatamente esse ato-reflexo da agressividade a
conclusão de um novo estudo publicado no Canadian Medical Association Journal.
Após uma revisão de 20 anos de pesquisas sobre o assunto, cientistas da
Universidade de Manitoba constataram que nenhuma das pesquisas durante esse
período sobre o impacto da palmada mostrou qualquer benefício da agressão como
forma de educar. E mais: crianças que apanharam na infância tornam-se agressivas, hoje e no futuro,
seja com amigos, irmãos, companheiros, parentes, na faculdade, no trabalho.
Sim, elas vão repetir o que aprenderam quando pequenas.
Se você apanhou, também deve se lembrar bem do sentimento que tinha
naquela hora. “A criança que sofre agressão se sente rejeitada pelos pais, e
isso contribui para sua baixa autoestima, transtornos de ansiedade, depressão,
estresse”, afirma Gustavo Teixeira, psiquiatra e autor dos livros Manual
Antibullying e Desatentos
e Hiperativos(ambos da Ed. BestSeller). Além disso, a autoestima
devastada de uma criança a torna alvo de bullying como também é mais fácil ela
se tornar o agressor.
Ainda assim, mediante tanta informação e
tanta comprovação do quanto ser agressivo com o filho só traz
resultados negativos isso ainda é tão forte na sociedade. Por quê? “Por
resistência, negação do problema, desinteresse em mudar, pressa em uma solução
rápida, com péssimos resultados depois”, reforça Gustavo. Não tem segredo. Para
educar uma criança, é preciso paciência, persistência, tempo e carinho. “Eu
continuo sempre acreditando que uma hora isso vai mudar”, diz Gustavo. Nós aqui
também!
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Palmada no descontrole
Enquanto a
Lei da Palmada não entra em vigor, veja aqui por que bater na criança ainda é
uma alternativa tão aceita pela sociedade - e como, apesar de muitos ainda
acharem o contrário, ela NÃO funciona
Mais de um ano após o projeto de lei
contra maus-tratos ter causado um alvoroço de discussões no Brasil, nesta terça
(22) o assunto voltou a ser discutido em audiência pública promovida pela
Comissão Especial da Educação Sem Uso de Castigos Corporais, que analisa o
Projeto de Lei 7672/10. Tudo indica que a Lei da Palmada deve ser votada em
comissão especial criada para estudar a proposta no dia 6 de dezembro. Se for
aprovada, segue para o Senado e, então, poderá alterar o Estatuto da Criança e
do Adolescente. Tudo para garantir que as crianças sejam educadas pelos adultos
com carinho – da forma que merecem.
Theo tem ainda poucos meses de vida, mas o
sofrimento com as cólicas parece de gente grande. Um dia, depois de um longo
choro, ele finalmente dormiu. Mas naquele momento sua prima, Isabela, 2 anos,
entrou no quarto do bebê tagarelando. A mãe pediu à filha que falasse baixinho
para não acordar o primo. Isabela, no seu íntimo, ouviu uma ordem completamente
inversa e começou a falar cada vez mais alto. A mãe insistiu, ainda com muito
jeito, e a menina continuou gritando. Até que a mãe soltou a frase ilustre:
“Quer apanhar?”. E a menina, surpreendentemente disse: “Queeerooo!”, como se
fosse ganhar um brinquedo novo.
De um lado
há Isabela, que, como toda criança da sua faixa etária, entende e pronuncia
várias palavras, mas não sabe exatamente o que elas significam. De outro, a
publicitária Tatiane Costa, 30, assume que já esteve várias vezes por um triz
de dar uma palmada na filha, principalmente quando se sente desafiada por ela,
e que até já chegou a ameaçá-la, como no dia descrito acima. Mas Tatiane
resiste. “Quero que ela me respeite e me obedeça entendendo que eu a amo e
quero o melhor para ela, e não por medo da ameaça de dor física.”
Não há pai ou mãe que não tenha vivido
essa dúvida em algum momento. Estamos em uma sociedade à beira de um ataque de
nervos e a violência parece uma alternativa. “A palmada nos filhos é uma
estratégia bastante utilizada, como uma medida de emergência ou quando julgam
ter esgotado todos os recursos”, observa Luciana Caetano, autora de É
Possível Educar Sem Palmadas? (Ed.
Paulinas). “Só que os pais confundem palmada com impor limites.” E não notam,
então, que ela não funciona de fato. Mais que isso: tem efeitos colaterais bem
sérios. “A surra alivia a culpa. A criança que leva uma palmada se sente livre
para fazer a coisa errada novamente, pois ‘já pagou’ pelo erro anterior. Por
outro lado, pode gerar na criança o sentimento de que é muito má e desobediente
e, por isso, merece esse tipo de tratamento.”
O medo de
falhar na educação dos filhos nos atormenta. E hoje parece estar tudo ainda
mais complexo do que na época de nossos pais e avós. Sentimos uma pressão geral
para não cometermos deslizes na criação dos filhos, que também não podem errar.
Resultado?
Um grande conflito sobre como impor limites, ensiná-los a lidar com frustrações
e, principalmente, fazê-los aceitar regras sem, para isso, temer as hierarquias
e, sim, respeitá-las. Em meio a tanta correria, lutamos para ganhar tempo. E o tempo
da educação é outro.
Não é à toa
que a chamada Lei da Palmada – projeto apresentado em maio de 2010 pela
ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário, ainda em tramitação – gerou
tanto debate entre especialistas e desaprovação de boa parte da população. A
lei que veta castigos físicos a crianças foi reprovada por 54% dos 10.905
entrevistados pelo Instituto Datafolha em julho do ano passado, e 36% revelaram
ser favoráveis. A mesma pesquisa identificou que 72% dos que já eram pais
haviam sofrido algum tipo de castigo físico, sendo que 16% disseram que
apanhavam sempre quando crianças.
Segundo os especialistas, há uma tendência de repetição de comportamento
de quem apanhou dos pais, como o caso da assistente administrativo Thaís
Sadério, 31 anos, mãe de duas meninas, com 6 e 8. “Acho que as palmadas educam.
Levei as minhas quando criança e não sou traumatizada ou revoltada. Funcionou
comigo e com meus irmãos. Com as minhas filhas, eu chamo atenção até duas
vezes, alertando para não fazer e por que não fazer. Se repetirem, entro com as
palmadas. É o meu jeito de impor limites agora para formar um adulto melhor”,
diz.
Temos direito à palmada?
A discussão
sobre a lei trouxe muitas opiniões diversas, inclusive a favor do direito dos
pais de bater “de vez em quando” e contrárias à interferência do Estado sobre a
educação dos filhos de cada família. Durante uma audiência pública no dia 30 de
agosto, em Brasília, alguns equívocos criados em torno da lei foram
esclarecidos: a lei não propõe prender ninguém. A principal causa do projeto é
provocar a reflexão nas famílias brasileiras sobre práticas automáticas e sem
sentido, indicando que não podem ser utilizados castigos corporais e tratamento
cruel e degradante. “Queremos uma lei que apoie as famílias. Jamais uma intervenção
do Estado na vida das pessoas”, declarou a ministra Maria do Rosário, em evento
sobre o assunto em junho deste ano.
A terapeuta infantil Denise Dias, autora do recém-lançado Tapa
na Bunda – Como Impor Limites e Estabelecer um Relacionamento Sadio com
Crianças em
Tempos Politicamente Corretos (Ed. Matrix), acha que foram
atribuídos significados inadequados a palavras como autoridade e castigo, e
isso contribuiria para que os “pais de hoje sofram por não ter a certeza de como agir como pais e
pequem na permissividade”. Ela defende a palmada e castigos desde que aplicados
com critérios conforme o nível de infração cometida pela criança. “Se o seu
filho joga no chão o brinquedo do irmãozinho e você já lasca um tapa na
poupança dele, o que vai fazer quando ele gritar ou xingar você?”, alerta
Denise no livro.
Ângela
Maria Gonçalves, 43 anos, mãe de um menino com 4, já passou por isso. Bateu no
filho porque ele a xingou, algo que ela não admite. “Foi uma situação limite.
Eu costumo ser bastante carinhosa e conversar muito com ele. Educar dá trabalho
e requer habilidade e esforço”, diz.
Educar realmente dá trabalho. Talvez
por isso cada vez mais se empurre essa responsabilidade para a escola. Mas, no
Reino Unido, está sendo exigido da escola até mesmo a volta da palmatória.
Segundo dados de uma pesquisa do suplemento de educação do jornal The
Times, que ouviu mais de 2 mil pais e mães ingleses, 49% acham que
castigos dados por professores deveriam voltar para as escolas. A pesquisa foi
lançada em um momento em que o secretário de Educação, Michael Gove, quer dar
mais poder aos professores para repreender os alunos. Muitos professores não
concordam. Desde 1984 a
legislação inglesa veta castigos físicos nas escolas.
O pediatra
Lauro Monteiro, editor do site Observatório da Infância, risca de sua lista
qualquer tipo de agressão, seja um tapinha, seja uma surra. Para ele, as
crianças devem ter limites bem estabelecidos, com firmeza, pelos pais. “Bater
em uma criança é sempre um ato de covardia, abuso do mais forte contra o mais
fraco”, ressalta ele, que esteve 35 anos à frente do Serviço de Pediatria do
Hospital Municipal Souza Aguiar, do Rio de Janeiro, 18 anos na Associação
Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia) e
40 anos em consultório.
No
Instituto da Criança, do Hospital das Clínicas de São Paulo, da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a equipe de médicos,
enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos é treinada para diferenciar uma
violência de um acidente, e os maus-tratos são comunicados ao Conselho Tutelar
ou à Vara da Infância. No primeiro semestre de 2010, o Instituto registrou 60
casos de maus-tratos infantis, 36% a mais que o ano anterior. De acordo com o
pediatra da casa, Antônio Carlos Alves Cardoso, 75% das agressões acontecem com
crianças menores de 2 anos. Em 60% dos casos a agressora é a mãe. De acordo com
a tese de doutorado de Cardoso sobre o assunto, mais de 90% das que sofrem
agressão terão sequelas físicas ou psicológicas. Mas bater é uma das formas de
maus-tratos à criança. Existem outras tão ou mais graves como as agressões
psicológicas, abuso sexual, síndrome do bebê sacudido e negligência. Essa,
segundo Cardoso, responde por 60% das ocorrências, enquanto agressão física
está em 25% dos registros.
A
prefeitura de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, foi a primeira a obrigar
redes pública e privada de atendimento médico a notificar casos de suspeita de
agressão. Antes da implantação do Sistema Integrado de Saúde, os pais levavam
os filhos com hematomas a locais diferentes de atendimento para não levantar
suspeita. Agora, com a rede de dados, checa-se o histórico. Após a criação do
serviço, em quatro meses o número de notificações chegou a 51, enquanto em todo
o ano anterior foram 26.
Rumo ao bullying
Mas a
grande pergunta de muitos pais é: dá para educar sem bater? Para o
administrador de empresas Ricardo Vieira Simplício, 38 anos, pai de um casal,
Giulia, 13, e João, 3, sim, pois ele defende que “educar é pegar na mão” e
dialogar. Já bateu uma vez nos dois, apanhou quando pequeno, mas acredita que
na conversa e sob estado emocional equilibrado dos pais é que eles aprendem de
fato. “Abre um horizonte incrível de possibilidades”, diz Simplício.
Na cidade
de São Carlos, interior de São Paulo, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams,
coordenadora do Laboratório de Análise e Prevenção da Violência, da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), estuda o assunto e diz que ao
contrário do que muitos adultos pensam, o castigo corporal não torna as
crianças obedientes a curto prazo, não promove a cooperação a longo prazo ou a
internalização de valores morais, nem reduz a agressão ou o comportamento
antissocial. O uso frequente desse método ensina para a criança que os
conflitos e diferenças podem ser resolvidos com o uso da força e alimentam o
ciclo de violência em nossa sociedade. Segundo ela, pesquisas indicam que os
alunos que são autores de bullying na escola, em sua maioria, vêm de lares onde
há utilização de violência física como forma de disciplina. “Geralmente a
família é descrita como hostil e permissiva, tem poucas habilidades de
resolução de conflitos e ensina suas crianças a revidarem à mínima provocação”,
conta. Em um estudo recente realizado por ela e pela psicóloga Fernanda Pinheiro
com 239 alunos de três escolas públicas da cidade, com idades entre 11 e 15
anos, 49% admitiram envolvimento com bullying nos três meses anteriores à
pesquisa, sendo que 26% disseram-se vítimas, 21% alvos e autores, e 3% apenas
autores. De todos eles, somente 15% afirmaram não ter sofrido qualquer
violência dos pais.
Muitas
vezes, a violência física ou psicológica acaba acontecendo num rompante, e não
por metodologia. Nesses momentos os pais podem sentar com seus filhos e serem
sinceros com eles, explicando que perderam o controle e que se arrependem. Esse
tipo de atitude, que é um ótimo exemplo de humildade e de respeito com o outro,
é estimulada pela rede Não Bata, Eduque, criada para provocar o debate no
Brasil. Duas das instituições integrantes dela são a Fundação Xuxa Meneghel e a
Save the Children, da Suécia. Suas representantes, respectivamente Xuxa
Meneghel e a rainha Silvia, participaram no meio deste ano de um evento na
Câmara dos Deputados sobre a Lei da Palmada, e prometeram se manter atentas ao
rumo que a discussão irá tomar. A Suécia tem experiência: foi o primeiro país a
banir castigos físicos, em 1979. Hoje outras 28 nações – como Dinamarca,
Espanha, Alemanha, Portugal, Uruguai e Venezuela – aprovaram medidas banindo a
prática. “Uma das coisas mais importantes para evitar ou diminuir os conflitos
dentro de casa é conhecer as fases do desenvolvimento de uma criança, bem como
suas características, limitações e os cuidados necessários em cada uma delas.
Sem conhecer esses limites dados pelo desenvolvimento, os pais tendem a se
irritar com o que a criança faz ou não consegue fazer”, diz Ana Paula
Rodrigues, coordenadora do Programa de Atendimento Integrado da Fundação Xuxa
Meneghel.
Ser pai
exige treino contínuo. Mudamos de ideia, aprendemos e reaprendemos o tempo
todo. O mundo está assim: por trás desses movimentos em que as pessoas se
tornam mais conscientes de seus atos há uma palavra mágica – respeito. Crianças
merecem respeito, amor e afeto, e também têm o direito de crescer com limites.
A terapeuta Luciana Caetano apresenta em seu livro um capítulo chamado “Amor”,
em que ela elenca desejos de “boas escolhas” aos pais. A primeira delas termina
bem esta reportagem: “Que você escolha educar o seu filho todo dia, em vez de
uma vez por todas.”
Por que não ser agressivo com os filhos nunca
• Mesmo
obedecendo, a criança que apanha não aprende, apenas deixa de fazer certas
coisas por medo de apanhar.
• O castigo
físico ensina que “é batendo que comunicamos coisas importantes”. Quando têm
medo de ser castigadas, as crianças não se arriscam a tentar coisas novas.
Assim, não desenvolvem sua criatividade, sua inteligência e seus sentidos.
• Apanhar
pode gerar na criança o sentimento de que ela é muito má e desobediente e, por
isso, merece esse tipo de tratamento.
• A maioria
dos autores ou vítimas de bullying vêm de lares onde há utilização de violência
física como forma de disciplina.
• Até um
adulto, quando apanha, sente-se humilhado. Ninguém tem motivação para agradar a
pessoa que maltrata. O sentimento é de ressentimento, medo ou desejo de
revidar.
• 38% de
crianças e jovens que fogem de casa apontam como causa a tentativa de escapar
dos problemas de convivência no lar.
• Os
maus-tratos prejudicam o desenvolvimento porque reduzem o funcionamento
intelectual - afetando a memória, a leitura e as habilidades intelectuais em
geral, o que traz problemas escolares; levam a condutas inadequadas,
antissociais e repetição de modelos agressivos; geram ansiedade, depressão,
distúrbios no sono, enurese noturna e distúrbios de alimentação.